Caso das gémeas: “Estamos a falar de crianças. Jamais deviam ter sido expostas na televisão, ligadas a um alegado crime”

O caso das gémeas luso-brasileiras tem gerado uma onda de debates em Portugal e no Brasil, não apenas pelas alegadas irregularidades no acesso a tratamentos de saúde, mas sobretudo pela forma como duas menores de idade foram colocadas no centro de uma tempestade mediática. Para muitos, o maior erro já não está apenas nas acusações ou na investigação, mas na exposição pública de duas crianças num contexto de suspeita criminal.
Juristas, comentadores e cidadãos comuns têm vindo a sublinhar que, independentemente das responsabilidades que venham a ser apuradas, jamais seria admissível associar duas menores a um alegado esquema ilícito. O impacto psicológico de serem apontadas em telejornais, programas de comentário e nas redes sociais pode deixar marcas profundas e irreversíveis.
A frase que ecoa em vários espaços de discussão é simples mas poderosa: “Estamos a falar de crianças. Nunca deveriam ter sido expostas na televisão, muito menos ligadas a um suposto crime.” Esta indignação reflete uma preocupação transversal: a necessidade de proteger a identidade e a dignidade de menores, independentemente dos erros ou decisões dos adultos que os rodeiam.
De facto, em Portugal a lei é clara ao salvaguardar os direitos das crianças, nomeadamente no Estatuto da Criança e do Jovem, que impõe limites à exposição mediática de menores em situações de conflito judicial. Contudo, a prática mostra que, em casos mediáticos, a pressão da audiência muitas vezes se sobrepõe ao rigor ético, e a tentação de explorar a dimensão emocional da história acaba por falar mais alto.
A cobertura massiva deste caso trouxe um problema acrescido: a estigmatização social. Ao associar as gémeas a alegadas irregularidades, ainda que de forma indireta, abre-se espaço para julgamentos precipitados e injustos, colocando duas vidas em risco de sofrer discriminação no futuro. O rótulo de “as crianças do escândalo” pode acompanhá-las durante anos, independentemente do desfecho judicial.
Psicólogos alertam que a infância é uma fase determinante no desenvolvimento da identidade e da autoestima. Situações de exposição pública em cenários de polémica podem originar sentimentos de vergonha, ansiedade e isolamento social. Mais grave ainda, pode criar uma sensação de injustiça, uma vez que as próprias crianças não têm qualquer responsabilidade nas decisões tomadas pelos adultos.
Por outro lado, cresce a pressão para que os meios de comunicação revejam os seus códigos de conduta e estabeleçam barreiras mais firmes na divulgação de casos que envolvam menores. Não basta “ocultar o rosto” ou “não mencionar nomes”: a simples associação pública de uma criança a um processo judicial já constitui uma violação ética que deveria ser evitada.
No fundo, este caso deixou de ser apenas sobre alegadas irregularidades no sistema de saúde. Passou também a ser um espelho da forma como a sociedade, os media e até as instituições lidam com os direitos das crianças. A indignação de muitos resume-se numa ideia que não deveria ser esquecida: nenhuma investigação ou polémica pode justificar a exposição mediática de menores, sobretudo quando estão em causa suspeitas de crime.